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A Emenda Constitucional nº 66 e o Novo Divórcio

Data: 24/01/2013 14:09

Autor: Lucinéia de Bortoli Verdério

 
    Não há dúvidas de que quase todos acreditam que não existe nada mais importante do que a estabilidade do amor eterno, um sonho que todos perseguem; tanto as mulheres quanto os homens sonham com o casamento, com o príncipe encantado e a princesa encantada. 
 
    A possibilidade de que tudo isso acabe assusta e outra não é a justificativa para não quererem aceitar o fim do casamento, pois soa como falência, frustração de um projeto que nasceu para durar para sempre: “até que a morte os separe”, e ninguém gosta de pensar nisso, nem os cônjuges, nem os filhos e nem mesmo o Estado. 
 
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    O divórcio é visto muitas vezes como vilão, pois grande maioria das pessoas segue uma tendência comprometida com os dogmas religiosos, já por outros, é visto como a solução, pois há casais que já não conseguem mais lidar com a insuportabilidade da vida em comum, com a falta do amor e do carinho. 
 
    Por isso, o avanço em termos legislativos, que alcança uma nova situação de vida, que refogem do modelo idealizado da família, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 66, de 13 de Julho de 2010, a usualmente denominada “PEC do Divórcio” ou a “PEC do Amor” modificando o já transcrito §6º do art. 226 da Constituição Federal, determinou uma verdadeira revolução na disciplina do divórcio no Brasil. 
 
    O referido parágrafo possuía antes da emenda a seguinte redação: "O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei ou comprovada separação de fato por mais de dois anos." Agora, ficou assim: "O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio".
 
    Divorciar-se não era uma situação fácil antes da nova emenda, tendo que cumprir algumas situações: primeiramente esperar o decurso do prazo de um ano da separação judicial, para somente depois obter a conversão em divórcio ou então apenas depois de cumprir o requisito temporal de dois anos da separação de fato, para a concessão do divórcio. Isso afrontava de certa forma o princípio da liberdade, restringindo a autonomia da vontade das pessoas, que já não queriam mais permanecer casadas.  
 
    Não se pode esquecer, nessa análise, as significativas mudanças porque passou a sociedade brasileira e mundial nos últimos tempos, quer sob o prisma axiológico, com a flexibilização de valores tradicionais que a tempos atrás pensaríamos, que nunca mudariam, tanto sob  o viés econômico, psicológico e sociocultural. 
 
    A nova emenda, em vigor desde 14 de julho de 2010, por isso é tão bem-vinda, acabaram-se os prazos, e divorciam-se quando os cônjuges bem entenderem, gerando algumas consequências: 1) fim da separação judicial (hipótese muito discutida ainda na doutrina: há quem fale que não foi suprimida) e 2) a principal consequência: extinção do prazo mínimo para a dissolução do vínculo matrimonial (eis que não há mais nenhuma referência à separação de fato do casal). 
 
    Também a nova emenda é fruto de uma árdua luta do Instituto Brasileiro de Direito de Família- IBDFAM, pois que é a concretização de um Direito de Família que tem uma nova perspectiva, sendo regido pelo princípio da intervenção mínima, desapegando-se das amarras crônicas do passado, para cunhar num sistema aberto e inclusivo, com o reconhecimento de outras formas de arranjo familiar, incluindo-se as famílias recombinadas (de segunda e terceira núpcias, etc.)
 
    Partindo-se do princípio de que afinal, qual o interesse relevante do Estado em se investigar a causa do desamor dos cônjuges?  A única coisa que importa é que a lei regule os efeitos jurídicos desse divórcio; cabe à lei estabelecer condições necessárias para a disciplina das relações afetadas pelo fim do casamento, como a guarda dos filhos, uso do nome da cônjuge, alimentos e a divisão patrimonial e isso já é regulamentado por ela. 
 
    Somente aos cônjuges, e a ninguém mais, é dada a decisão do término do relacionamento conjugal, com o fim do afeto que unia o casal, não havendo qualquer sentido em tentar forçar uma relação que não se sustentaria mais com o cumprimento de prazos que eram antes estabelecidos e agora revogados pela nova emenda. 
 
    O que o ordenamento jurídico quis não foi uma facilitação para os fins dos casamentos, mas sim uma perspectiva de promoção do princípio da dignidade da pessoa humana, garantindo meios diretos e eficazes e não burocráticos para que, diante da ruína emocional do matrimônio, as pessoas terem a faculdade para libertar-se do vínculo falido, partindo para outras concepções pessoais de felicidade e de vida. 
 
    Portanto, o divórcio passou a ser um simples direito potestativo a ser exercido por qualquerdos cônjuges, independente da fluência de prazo de separação de fato ou de qualquer outra circunstância da falência da vida em comum.
 
    Dois dias, duas semanas, três meses, dois anos, uma década após o casamento, não importa o prazo da união, qualquer dos cônjuges, não querendo mais permanecer casado, poderá formular pedido de divórcio pela via administrativa (nos Tabelionatos de Notas) ou judicial, sem precisar declinar causas ou motivos ou aguardar qualquer tempo. 
 
    A mudança determinada pela emenda é significativa, acabando com a injustificável interferência do Estado na vida íntima dos cidadãos e não há dúvidas de que o direito brasileiro converter-se-á em um dos mais liberais do mundo para efeito de permitir com mais imediatidade a dissolução do vínculo matrimonial, vigorando, mais do que nunca, o princípio da ruptura do afeto, sem causa específica e sem prazo determinado.
 
    E para lembrar Vinícius de Moraes com sua magnífica inspiração no “Soneto da Fidelidade”: “Eu possa dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”, alcança com precisão paradoxo da dimensão finita da profundidade do amor que acaba, porque os laços de sentimentos que unem os casais podem durante a vida desfazer-se. E não diga, que por a chama ter se apagado, amor não existiu. Só se apaga o que se acendeu. Não é mesmo? 
 
    Porém, não esquecendo-se jamais que o núcleo familiar é um espaço para compartilhar afeto e respeito, com a compreensão das relações afetivas, e com o direito constitucional à busca da felicidade, na perspectiva de um Direito de Família que efetivamente respeite o princípio matricial da dignidade da pessoa humana, tanto durante como no fim dos enlaces matrimoniais. 
 
 
Lucinéia de Bortoli Verdério é advogada em Mato Grosso
 
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